quarta-feira, 20 de maio de 2009

Foi, é, será?

Há tempos eu vi uma menininha indo à escola. Mochila nas costas, meias ao meio das perninhas finas, cabelo mal penteado e preso. Lá ia, ao longe, caminhando sob um sol matinal. Às sete da manhã, estava ela, como todos os dias: sentando na primeira fila da sala, escorrendo ao longo da manhã. Meio dia, hora de ir, hora do almoço. Não tem papai ou mamãe pra pegar na escola, mas tudo bem, a vida a ensinou a andar só por aí. À tarde não vinham muitas surpresas, a menina estudava um pouco, desenhava um pouco, escrevia um pouco, tocava seu teclado Casio...

Era um sábado e eu vi a menina. Corre pra lá, pega daqui, esconde de lá: era o dia da menina brincar. Cai aqui, buá ali, e mais uma cicatriz para guardar. Hora do banho. Beijo papai, abraço mamãe: boa noite. E assim foi a vida da menina, foi desse jeito que ela foi crescendo.

Há dois anos eu vi uma mocinha. Formosinha, sorridente, rodeada de coleguinhas. "Pai, mãe, vou sair!". Violão nas costas, óculos escuros no rosto, boina na cabeça. Esperta, passou por média. Vida de colegial.

Há meses eu vi uma garota. Séria, andava tranquila e compassadamente. Cadernos nos braços, sempre com bolsa do lado. Não andava só, mas com pouca gente. Uma amiga aqui, dois ou três colegas ali. A garota seguia todos os dias o mesmo caminho. À noite, o mesmo telefonema: "O dia foi bom, eu estudei. Estou com saudades." Era o pai, era a mãe.

Ontem eu vi uma moça. Uma moça já formada. Quase mulher, se não fosse pela minha falta de percepção, ou por falta de noção mesmo. Lá estava ela: pegar ônibus, faculdade, bolsa de lado, caderno na mão e olhos atentos ao furor da cidade. Saiu cedo de casa, chegou tarde. Em sua habitação, só uma luz acesa. Aparentava feliz e certa do que fazia. Expressão serena, passos rápidos e determinados. Cabelos soltos e ao vento. Óculos-escuros, por ora.

A quase mulher, a moça, era a garota. A garota era a mocinha. A mocinha era a menina, que era a menininha.

Sou menina, sou mulher.
Hoje eu me vi no espelho.

"Às vezes, o que eu vejo quase ninguém vê." - Quase Sem Querer, Legião Urbana.

"Há dias em que eu estou um lixo, me sentindo um lixo e com vontade de enfiar a cabeça numa lata de lixo. Hoje é um desses dias."


P.S. A segunda citação é minha. =)



"If you don't walk, might as well crawl..." - La llorona, por Beirut.

14 comentários:

  1. uau, o texto q mais gostei de ler por aqui, coleguinha...

    *só uma sugestão a acrescentar: qdo citar uma frase, bem q vc poderia por o autor dela, hein...a última citação do post, por exemplo, eu n sei de quem é...(ajude esse pobre leigo a livrar-se da ignorância...risas...)

    abs.

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  2. Não consegui prestar atenção ao mundo enquanto lia isso aí! Poxa, muito bom!

    Me parece que não escreve muitos contos. Vê se muda esse hábito!!! Pelo bem de seus leitores!
    Muito, muito bem!!!
    Um dos melhores.

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  3. também tenho dessas de parar pra analisar o quanto eu mudei... ficou muito bom o texto, vanessa!
    vo tentar aderir a essa onda de escrever com frequencia, mas acho que só depois de outubro mesmo, hahaha. beijo!

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  4. ADOREI esse texto.
    em muitas dessas passagens me vi direitinho!
    2x1 luft! :*

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  5. Imergi nessa exposição circunstanciada feita pela palavra escrita.

    ***

    "Às vezes, o que eu vejo quase ninguém vê." é da música Quase Sem Querer, de Legião.

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  6. caramba, fiquei vidrado no jeito que tu escreveu esse segundo paragrafo (ou sei lá como se chama isso) achei, sei lá, interessante as frases curtas representando um longo periodo da vida.


    nem na minha mais inspirada aula de redação conseguiria fazer isso.


    BJOS!

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  7. Esse texto me (des)estimulou a escrever no meu blog.

    Menina!!!!
    Você escreve muito bem!
    Lembra aquelas escritoras cujo livro eu era obrigado a ler, mas no meio dele gostava tanto que lia outro da mesma autora sem precisar. ^^
    (não que eu seja obrigado a ler seu blog, é só meu prazer ;)

    [Essa parte do comentário transformei em um post =]

    Já tive tantos dias que tive a vontade de enfiar a cabeça num lixo que espero que minha cota tenha esgotado. =P

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  8. as vezes as pernas crescem e a gente começa a dar passos bem largos, sem nem perceber...

    ótimo conto, moça
    =)

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  9. "Resposta? Não lembro de ter feito perguntas no post."
    Nossa! Acabou comigo =(
    Desculpa... nunca mais faço isso.

    Brincadeira =P

    (Mas você supos)
    Minha história não é vazia, só cria esse ilusão de que foi.

    O presente é indefinido, por isso não aparece o "(não) é".

    E aquele post foi um revés de sono. =P
    Na verdade estava pensando em deletá-lo.

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  10. "Óculos-escuros, por ora."

    =3

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  11. aaH, muito bom Vane. :]
    um dos melhores que li. ;D
    fiquei me vendo, imaginando enquanto te lia.
    -
    e tem dias que eu também tenho vontade de enfiar a cabeça na lata de lixo. já aconteceu por inúmeras vezes. Faz parte da vida e da rotina.

    :*

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  12. Legal você ter ido lá no meu e ter gostado. :D Pode ir sempre que quiser! (como se eu exercesse algum tipo de controle no meu próprio blog, HAHAHA. pensando bem, é estranho isso, né? você escreve, se expõem e para quem? para fantasmas, muitas vezes. que têm nomes, corpo, voz, mas são fantasmas para você..enfim, loucura.)

    Gostei muito do teu texto! Eu só fiquei meio confusa porque achava que a personagem era você. Quando eu li: "Uma moça já formada.". Pensei: "não, não é."*. só agora que eu entendi que é formada de pronta ¬¬

    * eu sei beeem mais ou menos quem você é. eu era da tua sala no GGE, mas eu entrei depois, nem lembro de você :~~, só sei porque a Clarinha já tinha te mostrado pra mim ;)

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  13. O texto tá lindo!
    Sério mesmo, adorei!
    Pana que não pude me ver nele.. você sabe o pq!
    Te admiro um bocado garota, pode ter certeza.
    Esse teu jeito forte aí.. é um estímulo pra mim!
    Um dia eu chego lá!


    =)

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  14. Gabriel11:39 PM

    Muito bom!!!
    Adoro ler textos de autores que brincam com o tempo, de forma linear ou não, talvez seja meu tipo de texto favorito.
    Espero que esse blog tenha vida longa.
    É bom saber que tem escritos de qualidade esperando por mim.
    Beijos.

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