domingo, 29 de novembro de 2009

[Das cartas] Recordas?


Valleta, 16 de abril de 1978.
Dick?

Ei. Faz tantos anos. Será que você lembrará da minha voz depois de todo esse tempo - mesmo se eu estiver combatendo as lágrimas?

Estou longe, mas não se preocupe - estou regressando ao nosso Soho* no próximo agosto. Dick, por favor, vamos relembrar. Encontre-me para um café, onde nós conversaremos de tudo.

Lembre que aqueles eram os nossos dias de rosas - poesias e prosas. Dick, tudo que eu tinha era você. Não havia dias ruins para nós, pois nosso amor ensolarava até os dias mais chuvosos. E tudo que você tinha era eu.

E as crianças, como estão? Eu soube que você casou. Como está sua esposa? Você sabe que eu casei também? Ah, sorte a sua ter encontrado alguém que o faça se sentir seguro, porque nós éramos tão jovens, estúpidos. Agora não, já somos maduros. Somos?

(...)
Estes dias eu encontrei uma pulseira de fios de cabos elétricos, que você fez para mim naquele novembro. Por isso lembrei de você, de mim, de tudo. Dick, e você era tão impulsivo; e eu acho que continua sendo.

(...)Mas tudo que tinha certeza é que eu me sentia mulher. Tudo que eu tinha era você. E tudo que você tinha era eu.

Com carinho e (muitas) saudades,

Janet.

--
*Soho é um bairro de Londres - Inglaterra.
*Valleta é a capital de Malta.


"É apenas uma memória e aqueles sonhos não eram tão estúpidos quanto pareciam.
Não tão estúpidos quanto pareciam."
Fluorescent Adolescent, by Arctic Monkeys.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

[Das cartas] "Adeus."


Madrid, 27 de março de 1995.

Olá, querido.

Podes perceber que eu não estou ao teu lado esta manhã; em contrapartida, deixo minha voz, aqui, para que possas saber o motivo de minha ausência.

Não te assustes, estou apenas adiantando todo esse processo e tentando suprimir algum sofrimento que possa ocorrer. Banha-te, veste tua roupa e desce. Tua mala já está ao lado da escada, podes ir embora.

É verdade, é fato. Não adianta mais insistirmos e tentar encontrar algum fio de amor perdido na nossa casa. Eu até já procurei; na cozinha, lembrando dos nossos divertidos almoços; na sala, recordando dos nossos filmes, das noites em volta dos nossos livros, ou da tua viola. Procurei na nossa varanda, olhando para a cidade e lembrando das nossas caminhadas, nossas aventuras joviais, de como nós nos pertencíamos. No nosso quarto, pensando nas noites e dias em que estive ao teu lado.

Contudo, tudo que encontrei, e tudo que restou, foram as discussões na cozinha, as noites escuras na sala e a cidade: parada, sombria, só - nós já não nos pertencemos. No nosso quarto só estava eu; e eu já não sabia - já não sei - onde você estava.

Juro, procurei por um único fio de amor, mas parece que eles foram varridos pelo vento, e não sobrou nenhum.

Fui fazer umas compras. Espero que me entendas. Pega tua mala, ao lado das escadas, e parte para um lugar melhor. Onde possas, finalmente, encontrar alguém melhor que eu.

Com carinho, adeus,

Lucía.

"E tudo leva à queda.
Que mundo silencioso ao final.
Das coisas que você supôs, virá...
Que momento isso foi, afinal?"
Tradução: La llorona, by Beirut.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[Das cartas] 50, passados. [parte 2]


Marseille, 20 de novembro de 1959.

Olá, querido.

(...)
Há muito tempo não nos falamos, isso é verdade. É que nesses tempos fica tão difícil para mim. Você entende que toda essa confusão, e toda essa gente ao nosso redor me fez (e faz) agir dessa forma. Mas não leve a mal, por favor.

Leve em conta os nossos tempos, aqueles dias que vivemos. Você sabe que você me amou. Lembre daquela nossa conversa, naquela rua, naquela noite, naquele botequim. Não esqueça daquele dia, em que você se fez malvado e levou uma parte de mim - com você.

Se um dia você resolver voltar aqui, eu continuo morando na mesma rua, frequentando os mesmos lugares, com quase as mesmas pessoas. Todos os dias almoço no mesmo lugar de todos os dias. E às sextas, eu costumo visitar o Cours Julien - aquelas esquinas alternativas me lembram tanto você.

Então faça o que achar melhor, só não se esqueça que, se disser que vai voltar - não seja malvado, volte mesmo.

Carinhosamente,

Belle.

"When the night takes a deep breath,
And the daylight has no air...
If I crawl, if I come crawling home...
Will you be there?"
In a Little While, by The Killers.


Adendo!


A música que me inspirou para este texto foi "My night with the prostitute from Marseille", de Beirut. Meu texto não é uma tradução. ;)


Letra: http://letras.terra.com.br/beirut/1421996/traducao.html

Música: http://www.youtube.com/watch?v=NSH98aInNec

(O áudio do vídeo não está muito legal, mas foi em Recife =) Eu estava lá!)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Carta de despedidas.



Veja só quem se despede. É ela, aquela velha "amiga" - que de amiga mesmo nunca teve muita coisa. Está indo, e está indo tarde. Tudo bem, tudo bem... Com sua amizade eu aprendi muita coisa. Mesmo você me privando de tantas outras, eu assumo que eu até cresci em alguns pontos. Mas acabou, meu bem: não há mais o que fazer.

Pode ir arrumando as suas maletinhas no outro quarto, eu não vou incomodá-la em nenhum momento. Só não deixe nada para trás. Leve suas discussões, suas lágrimas de tristeza, seu desespero, sua angústia e sua incrível e indecifrável "presença de ausência".

Confesso, tudo melhorou desde que você me contou de sua futura partida. Já posso ser livre para os amigos e colegas, já tenho pelo menos uma noite de fim de semana, meus risos.

E, antes de você partir: nem pense que vou deixar você levar meus discos de Rock e música latina. Não se atreva! E, por favor, passe um tempo vagando por aí, sozinha. Não encontre outra pessoa para atormentar. E não volte, nunca mais, se possível.

Adeus, Solidão!
Um abraço,

Vanessa Gomes.


Entenda a história, veja a "saga de cartas" entre eu e Solidão:

1. Carta para a Solidão
2. Réplica da solidão
3. Tréplica para a Solidão


"Os sonhos se tornam claros, a névoa se torna mais densa toda vez que eu respiro. As estrelas parecem as mesmas pra mim."
Gold, by Mando Diao



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Brinde[s]

E só do que lembra é daquela garrafa de Louis Roederer já vazia recostada a outras três de vinho, taças e cálices espalhados. Sentados na calçada, rindo e conversando.
As estrelas são tão lindas quando se pode vê-las.

Mas antes de amanhecer todos já caminhavam para onde o caminho levava. O vento, o cheiro, as vozes. Os braços e abraços embalados pelos tropeços, confundidos pelos bocejos da manhã que insistia em acordar.

E já estavam exatamente onde queriam. Então o sol poderia surgir, eles estavam prontos. Os dias poderiam escorregar uns pelos outros, e eles sempre retornariam daquele lugar tão especial. Tão cheio deles, da música deles, da vida.

(...)
Então não importa se dois, ou três anos passem. Aquele lugar, sim, aquele lugar sempre vai lembrar dos risos, das músicas e das conversas - e das garrafas - lá deixadas.


"And some days all we had was our barrels of wine."
Brandenburg, by Beirut.


P.S. Beirut me inspira.